4 de out. de 2009

Germes verbais

É hora de desinfetar o mundo corporativo dos germes verbais

'A higiene no trabalho está na moda. Nos banheiros dos escritórios, marmanjos estão sendo ensinados a lavar as mãos na esperança de impedir a proliferação da gripe suína. Primeiro, você molha suas mãos, diz o aviso. Depois, aplica o sabonete e as esfrega por 15 a 40 segundos (diversas empresas estão exigindo que os funcionários façam isso por períodos de tempo diferentes) e, finalmente, você as enxuga com uma toalha de papel.

Mas, agora, as empresas estão sendo também conclamadas a se manterem metaforicamente limpas. A consultoria Arthur D. Little passa grande parte da edição mais recente de seu jornal convocando as empresas a serem "higiênicas" e mais meticulosas em relação aos níveis de seu capital de giro e métodos de compras. A boa higiene, diz a publicação, é o que separa os vencedores dos perdedores a esta altura do ciclo.

Não estou entusiasmada com essa nova metáfora, em parte porque sou uma britânica negligente. No meu livro, a limpeza não se aproxima de algo celeste. Ela está mais perto da monotonia. Até certo ponto, é necessária, mas é uma coisa bem maçante, não sendo nada que mereça um lugar na literatura administrativa.

Entretanto, ao retornar ao trabalho depois de uma longa pausa de verão, constato que higiene é justamente o que precisamos. Com as mãos ainda com vestígios do solo da Cornualha, peguei uma prova de "Top Talent", o novo livro sobre negócios de Sylvia Ann Hewlett. Ela ficou famosa há sete anos com um livro que dizia que a vida no trabalho é um pesadelo completo para as mulheres bem sucedidas. Agora, ela está dizendo que em uma recessão a coisa é ainda pior: as pessoas bem sucedidas de ambos os sexos estão ficando totalmente exasperadas.

Não foi lá muito animador ler isso depois de umas férias. Nem interessante. A própria frase "top talent" deve ser vista como um sinal de alerta de que o que vem pela frente não é algo muito bom. Top talent é o oposto do quê? Bottom talent?

Além de chamar bons empregados de "top talent", Silvya Ann Hewlett usa um número impressionante de outros sinônimos. "Funcionários do alto escalão", "talento de grande potencial", "capacidade intelectual de alta octanagem" e até mesmo "a força delta do local de trabalho."

Enquanto analisava esses termos, tive uma epifania. O que se exige é uma grande limpeza, mas o que é preciso ser lavado de nossas mãos não é o vírus H1N1, ou o excesso de capital de giro dos nossos balanços. São esses germes verbais que precisam descer pelo ralo da pia, com muita água sanitária sendo despejada em seguida para evitar uma nova infecção. Eu tinha esperanças de que a recessão iria acabar com a epidemia mundial de "gripe da besteira". Em vez disso, ela continua infectando um número crescente da população empresarial, interferindo no funcionamento do cérebro e às vezes deixando o paciente incapaz de se comunicar.

O livro de Hewlett está cheio de sinais de infecção. Ela fala em "maximizar os pontos de toque". Com isso, ela quer dizer "falar mais uns com os outros". De uma maneira ainda mais preocupante ela escreve: "Talento é um dom que continua sendo uma dádiva", o que não significa nada.

Todo mundo que trabalha em uma empresa ainda corre um risco grande de ser infectado pela "gripe da besteira" e, tragicamente, uma vez que o indivíduo é contaminado, não consegue mais reconhecer a doença nos outros...'

Fonte: Valor Econômico

Aposto que vocês, caros leitores, já se depararam com muitos "germes verbais" por aí. Posso citar alguns: a nível de, quebrar paradigmas, no sentido de, stand-by, brainstorm, upgrade, marketshare, entre outros. E o gerundismo, quem aguenta? Isso tudo sem falar que despesa agora é "investimento" e empregado virou "colaborador"...

Abraços!

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